Usucapião especial em propriedade menor que o módulo rural

Através do procedimento de usucapião especial rural, é possível obter a propriedade de uma área menor do que o tamanho mínimo estabelecido para a região rural. Essa decisão foi tomada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os autores da ação possuem a posse não contestada e contínua de uma área de terra na qual moram e trabalham. O tamanho mínimo de área rural, considerado necessário para a sobrevivência do pequeno agricultor e de sua família, naquela região é de 30.000 metros quadrados.

A turma decidiu que não há impedimento legal para que a usucapião possa ser aplicada a uma propriedade de tamanho menor do que o módulo rural. Essa modalidade é prevista no artigo 191 da Constituição Federal e no artigo 1.239 do Código Civil.

A decisão do Tribunal de Justiça Estadual havia sido contestada pelos autores da ação. O tribunal não havia reconhecido o direito à usucapião, argumentando que o parcelamento de terra rural em áreas inferiores ao módulo da região é proibido pelo artigo 65 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64).

Desvalorização do real em face do dólar possibilita revisão do contrato?

A desvalorização da moeda nacional em face do dólar, quando surpreende o tomador de um empréstimo, sempre foi concebida no meio jurídico para possibilitar a revisão de um contrato. 

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça proferiu uma decisão contrária à esse entendimento. No caso julgado, entendeu o tribunal que tratando-se de relação contratual paritária – a qual não seria regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autorizaria a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano. 

O julgado dotou a tese de que na relação contratual, a regra é a observância do princípio pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes e, por conseguinte, impõe ao Estado o dever de não intervir nas relações privadas. Ademais, o princípio da autonomia da vontade conferiria aos contratantes ampla liberdade para estipular o que lhes convenha, desde que preservada a moral, a ordem pública e os bons costumes, valores que não podem ser derrogados pelas partes. 

Desse modo, a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exigiria a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, tendo em vista, em especial, o disposto nos arts. 317, 478 e 479 do CC. 

É valida a cláusula de limitação de concorrência imposta em parceria comercial

São válidas as cláusulas contratuais de não concorrência, que impõem ao parceiro comercial o dever de exclusividade, desde que limitadas espacial e temporalmente, pois adequadas para evitar os efeitos danosos resultantes de possível desvio de clientela. A decisão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso especial de uma empresa contra microempresa parceira.

A empresa moveu ação de cobrança de multa contra a microempresa porque ela descumpriu cláusula que a proibia de contratar com qualquer empresa concorrente por seis meses após a extinção do contrato.

A sentença julgou que a cláusula de exclusividade era válida e tinha o objetivo de proteger o know-how da empresa autora da ação, que investiu em “tecnologia, treinamento, qualificação, marketing e credenciamento”. 

CDC

O entendimento foi reformado pelo Tribunal de Justiça estadual, que julgou inválida a cláusula por considerar que os efeitos do contrato perdurariam apenas durante sua vigência, e não após seu término.

O tribunal considerou ainda que a cláusula era abusiva, pois atentava contra a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e a função social do contrato ao estabelecer obrigações desproporcionais entre as partes. Entendeu também que o fato de haver cláusula abusiva atrairia a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso.

No STJ, o colegiado restabeleceu integralmente a sentença. De acordo com o relator, o tribunal estadual partiu de “premissas equivocadas” para concluir pelo caráter abusivo da cláusula.

Teoria finalista

Segundo o ministro, pela teoria finalista, só pode ser considerado consumidor aquele que esgota a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. Porém, a relação estabelecida entre as partes foi “eminentemente comercial”, desenvolvida em “típico contrato de parceria com o objetivo de colocar no mercado bens e serviços à disposição de terceiros – esses, sim, consumidores”.

O relator afirmou que a jurisprudência do STJ admite, em caráter excepcional, a flexibilização da teoria finalista, desde que demonstrada situação de vulnerabilidade de uma das partes. Todavia, destacou que nenhum fato alegado no processo demonstrou a existência dessa vulnerabilidade.

“Não sendo o recorrido o destinatário final econômico dos bens transacionados entre as partes, não seria aplicável a legislação consumerista, mas o Código Civil, porquanto a relação se estabeleceu e desenrolou validamente entre as partes contratantes”, disse o relator.

De acordo com o ministro relator, além de serem valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente, “inserem-se na conduta conformada pela boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil) a vedação ao estabelecimento de concorrência entre empresas que voluntariamente se associam para ambas aferirem ganhos, bem como o prolongamento dessa exigência por prazo razoável, a fim de propiciar a desvinculação da clientela da representada do empreendimento do representante”.

Não incide IPI sobre veículo importado para uso próprio

Em julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos (tema 695), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) não incide sobre veículo importado para uso próprio, uma vez que o fato gerador do tributo é a operação de natureza mercantil ou assemelhada. A decisão também levou em conta o princípio da não cumulatividade.

O colegiado, por maioria, acompanhou o entendimento do ministro relator do recurso. “Segundo o artigo 49 do Código Tributário Nacional, o valor pago na operação imediatamente anterior deve ser abatido do mesmo imposto em operação posterior. Ocorre que, no caso, por se tratar de consumidor final, tal abatimento não poderia ser realizado”, afirmou o ministro.

Assim, a Primeira Seção deu provimento ao recurso do consumidor e restabeleceu a sentença que reconheceu a inexigibilidade do IPI. 

Para os ministros que ficaram vencidos, a tributação pelo IPI é necessária para haver isonomia de tratamento tributário entre a indústria estrangeira e a nacional.

Hipótese em que não se configura o crime de retardamento de dados técnicos requisitados pelo MP

Não configura o crime do art. 10 da Lei 7.347/1985 o retardamento do envio de dados técnicos requisitados pelo MP para a propositura de ação civil pública quando, após o envio a destempo, o MP promova o arquivamento do inquérito civil sob o fundamento da licitude dos atos praticados por investigado. Esse foi o entendimento proferido em uma decisão do STJ.

De acordo com o art. 10 da Lei 7.347/1985, “Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”. 

Na hipótese analisada pelo tribunal, não obstante tenha ocorrido o retardamento na remessa dos dados requeridos, observou-se que, após envio, o Parquet concluiu pela licitude dos atos investigados e arquivou o inquérito civil, caracterizando, assim, a prescindibilidade das informações. 

Prova de corroboração na delação premiada

A Lei 12.850 também estabelece de forma expressa que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Ou seja, as informações procedentes da colaboração premiada precisam ser confirmadas por outros elementos de prova – a chamada prova de corroboração.

No HC 289.853, julgado pela Quinta Turma do STJ, um homem condenado por roubo alegou nulidade absoluta de seu processo ao fundamento de que não teve a oportunidade de se defender quando foi acusado por um corréu em delação premiada. Disse ainda que as provas apresentadas seriam insuficientes para incriminá-lo.

O tribunal estadual, no recurso de apelação, rechaçou essas alegações. Segundo o acórdão, a sentença condenatória teve amparo em vasto conteúdo probatório, como o depoimento de vítimas e de testemunhas e registros telefônicos.

O relator no STJ ressalvou a impossibilidade do uso do habeas corpus para verificação das provas tidas como suficientes pelo tribunal local, mas ratificou o entendimento de que a sentença não poderia se embasar apenas nas informações dadas pelo delator.

Efeitos de reintegração de posse não vincula terceiro de boa-fé

Não está sujeito aos efeitos de decisão reintegratória de posse proferida em processo do qual não participou o terceiro de boa-fé que, antes da citação, adquirira do réu o imóvel objeto do litígio. 

É certo que, segundo o disposto no art. 42, § 3º, do CPC, em se tratando de aquisição de coisa ou direito litigioso, “A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário”. Trata-se de exceção legal à regra segundo a qual a coisa julgada só opera efeito inter partes – eficácia subjetiva da coisa julgada –, prevista na primeira parte do art. 472 do CPC: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros [...]”. 

Entretanto, a coisa só se torna litigiosa para a parte ré após a citação válida, nos termos do disposto no art. 219 do CPC. Observe-se que o bem ou direito somente se torna litigioso com a litispendência, ou seja, com a lide pendente. 

A lide é considerada pendente, para o autor, com a propositura da ação, enquanto que, para o réu, com a citação válida. Desse modo, para o adquirente, o momento em que o bem ou direito é considerado litigioso vai variar de acordo com a posição ocupada pela parte na relação jurídica processual que sucederia. 

Desistência de imóvel não causa perda total de parcelas pagas

O setor imobiliário tem obrigação de devolver ao comprador que desistiu do imóvel as parcelas já pagas. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é nula qualquer cláusula que estabeleça a perda total das prestações, com argumentos de que a construtora não colaborou para a rescisão do contrato. 

Em reiterados julgamentos, as decisões dos tribunais consideram nulas as referidas cláusulas contratuais. Num julgamento recente, a construtora queria manter o direito de ficar com o sinal e três parcelas pagas de um imóvel, vendido.

No caso o comprador do imóvel desistiu de pagá-lo por não suportar as prestações. A construtora sustentava que ele deveria perder todas as prestações, por não ter colaborado para a rescisão do contrato. Para a construtora, não havia no contrato nenhuma cláusula que permitisse arrependimentos. 

Em alguns julgamentos a Quarta Turma aceita o argumento de que é permitido à construtora reter um percentual de 25% das parcelas pagas. Esse percentual serve para cobrir despesas administrativas, propaganda, corretagem, depreciação imobiliária, desgaste pelo uso, recolocação no mercado, entre outros. 

No caso julgado, os prejuízos pela desistência do comprador foram pequenos. Ficou restrito às despesas com a efetivação e administração dos negócios, já que o comprador desistiu da compra no início. 

Reter todos os valores, para o tribunal estadual, conduziria a um enriquecimento ilícito, devido a desproporção entre o prejuízo da construtora e o valor pago pelo comprador. O ministro relator do processo, permitiu à construtora reter um percentual das parcelas pagas.

Alienação de imóvel sem anuência é válida se não há publicidade da união estável

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial interposto por uma mulher que buscava anular a alienação feita pelo ex-companheiro, sem o seu conhecimento, de um imóvel adquirido durante o período em que o casal vivia em regime de união estável. A decisão foi unânime.

O casal conviveu durante 6 anos. O apartamento, adquirido na constância da união estável, serviu de residência à família até a separação. Após, foi alugado para complementação de renda. Tempos depois, ao tentar tomar posse do imóvel, a mulher foi informada pelo ex-companheiro de que o bem havia sido transferido a terceiros como pagamento de dívidas.

No recurso especial, foi alegada ofensa ao artigo 1.725 do Código Civil e aos artigos 2º e 5º da Lei 9.278/96. Os dispositivos disciplinam, essencialmente, a aplicação do regime da comunhão parcial de bens às relações patrimoniais decorrentes de união estável e a administração comum do patrimônio.

Terceiros de boa-fé

O relator reconheceu que nenhum dos companheiros poderia dispor do imóvel sem autorização do outro, mas chamou a atenção do colegiado para a proteção jurídica ao terceiro adquirente de boa-fé.